A Síndrome de Sjögren é uma doença imunomediada crónica caracterizada pela desregulação do sistema imunitário, que ataca tecidos e órgãos saudáveis, em particular as glândulas salivares e lacrimais, conduzindo a um processo inflamatório crónico que dá origem a queixas comuns como a falta de saliva e lágrima (boca e olhos secos).

Numa pequena percentagem de doentes podem ser atingidos outros órgãos e sistemas como as articulações, músculos, pulmões, rins, tiróide, fígado, pâncreas, estômago, nervos e cérebro, provocando sinais e sintomas diversos consoante os órgãos envolvidos.

A Síndrome de Sjögren pode aparecer em qualquer idade e em ambos os sexos, embora seja uma doença que afecte mais as mulheres do que homens e surja mais frequentemente após os 45 anos de idade.

A Síndrome de Sjögren diz-se Primária quando o doente não é portador de outra doença difusa do tecido conjuntivo. Quando o doente apresenta concomitantemente outra(s) doença(s) reumática(s) como, por exemplo, Lúpus Eritematoso Sistémico ou Artrite Reumatóide, a Síndrome de Sjögren é classificada como Secundária.

Na Síndrome de Sjögren existe a produção de anticorpos que são importantes no processo de inflamação das glândulas salivares e lacrimais, levando à diminuição da produção de saliva e lágrimas. Porém, a causa desta perturbação do sistema imunitário não é conhecida, apesar dos grandes avanços do conhecimento científico nas últimas décadas.

Julga-se que, tal como em outras doenças reumáticas sistémicas, factores genéticos, hormonais e ambientais tenham um papel importante. Algumas infecções, nomeadamente virais, podem ser o elemento desencadeador das perturbações imunológicas verificadas nesta doença, mas ainda não existem dados claros nesse sentido. Por outro lado, 9 em cada 10 doentes são mulheres, pelo que a componente hormonal pode ser também importante no desenvolvimento de doença. Por fim, existe uma predisposição aumentada para o desenvolvimento de doenças reumáticas sistémicas em familiares de doentes com Síndrome de Sjögren.

As principais manifestações da doença são as queixas secas – falta de saliva e lágrima – presentes em todos os doentes em maior ou menor intensidade. Para além destas queixas,  muitos doentes têm envolvimento extra-glandular, que pode ir desde as manifestações cutâneas (pele seca, manchas e outras lesões na pele) ou articulares (dores articulares, por vezes com inchaço), muito frequentes, até formas mais raras e graves de envolvimento de vários orgãos. Contudo, apesar da grande variedade de sintomas possíveis, a maioria dos doentes não tem envolvimento grave de órgão major (p.e. rim, pulmão ou fígado) e o controlo da doença é conseguido com sucesso.

A falta de saliva pode levar a problemas dentários graves (cáries), dificuldade em mastigar ou engolir, alteração do paladar, entre outros. A falta de lágrima leva a olho seco, com sensação de areia nos olhos frequente, e pode originar úlceras da córnea potencialmente graves. Outros sintomas comuns incluem a fadiga/cansaço, muitas vezes incapacitante e inexplicável, que não melhora com o repouso, as dores articulares, por vezes com inchaço (artrite), e a secura da pele ou vagina. Outros sintomas como formigueiros, falta de sensibilidade, fenómeno de Raynaud (mudança de cor dos dedos das mãos e pés com o frio), perda de peso, entre outros, são mais raros e podem acontecer em alguns casos com atingimento de outros órgãos e sistemas.

A Síndrome de Sjögren é uma doença relativamente difícil de diagnosticar, uma vez que as manifestações mais frequentes – secura oral e ocular – podem ocorrer em pessoas com outras doenças reumáticas ou sob determinadas terapêuticas, e podem evoluir lentamente, não alertando o doente ou o médico para a possibilidade de existir uma doença responsável pelas queixas. Para além disso, trata-se de uma doença pouco comum, pouco falada e, consequentemente, desconhecida de muitas pessoas. Por este motivo é muito importante a referenciação precoce e adequada para uma consulta de Reumatologia assim que a suspeita clínica da Síndrome de Sjögren seja colocada pelo médico assistente.

O diagnóstico baseia-se fundamentalmente nos dados clínicos, conjugados com resultados de exames laboratoriais (análises), imagiológicos (radiografias, ecografias e outros) e histológicos (biópsias). A avaliação pelo Reumatologista, Oftalmologista e Estomatologista/Dentista é essencial e deve ser realizada sempre que possível numa fase inicial.

A história clínica e exame objectivo são essenciais para determinar a presença e gravidade das queixas secas, oculares e orais, bem como avaliar a presença de alterações noutras localizações.

A função das glândulas salivares pode ser avaliada por sialometria (medição da quantidade de saliva produzida num determinado período) ou cintigrafia, mas o exame chave é a biopsia das glândulas salivares labiais. Este é um procedimento simples em que são retiradas algumas das inúmeras glândulas salivares existentes na mucosa oral, através de uma pequena incisão no lábio inferior, para pesquisa ao microscópio da presença de inflamação activa ou passada.

A falta de lágrima pode ser objectivada através do Teste de Schirmer e a pesquisa de complicações como a queratite (lesão da córnea) é muito importante e deve ser efectuada numa consulta de Oftalmologia.

O envolvimento de outros órgãos e sistemas deve ser avaliado através da história clínica e exame objectivo e em caso de suspeita podem ser requisitados mais exames complementares.

As análises laboratoriais mais importantes incluem auto-anticorpos como os anticorpos antinucleares (ANA) e o factor reumatóide, que podem existir numa proporção de pessoas saudáveis e não são sinónimo de doença e os anticorpos anti-SSA e anti-SSB que são mais específicos da Síndrome de Sjögren, mas podem também estar presentes noutras doenças reumáticas sistémicas.

Embora não exista cura para o Síndrome de Sjögren, vários tratamentos estão disponíveis de acordo com os sintomas e órgãos afectados.

•   Olhos. A grande maioria dos doentes com queixas de olho seco tem benefício em aplicar lágrimas artificiais várias vezes ao dia. Existem várias formulações disponíveis com diferentes composições e que podem ser alternadas até se encontrar a que melhor se adapta a cada doente. Caso haja necessidade de aplicar por mais de 6 vezes ao dia, deve ser preferida uma formulação sem conservantes para evitar a hipersensibilidade. Em alguns casos pode ser necessário utilizar gel durante a noite ou recorrer a outros tratamentos como a ciclosporina tópica (imunossupressor para controlar a inflamação das glândulas lacrimais) ou a oclusão do canal lacrimal (para reduzir a drenagem das lágrimas e diminuir a secura ocular). Quando há dor ou sinais inflamatórios do olho, o doente deve ser sempre observado por um Oftalmologista para excluir a presença de lesões oculares ou infecções, que requerem outros tratamentos.

•  BocaÉ muito importante a ingestão frequente de água para melhorar os sintomas de boca seca. Outras medidas que podem ser úteis incluem utilizar pastilhas ou rebuçados sem açúcar ou aplicar substitutos salivares que têm um efeito transitório na melhoria das queixas. Existe disponível em Portugal apenas um medicamento destinado à estimulação da produção de saliva, denominado pilocarpina (Salagen®), que em alguns casos pode estar indicado.. A pilocarpina tem porém alguns efeitos adversos que podem ser mais ou menos bem tolerados pelos doentes, devendo sempre iniciar-se numa dosagem mínima (5mg), que pode ser aumentada consoante a necessidade e a tolerância. As aftas podem ser tratadas com corticosteróides tópicos em conjunto com colutórios apropriados. Por fim, é essencial ter muito cuidado na prevenção e tratamento de cáries dentárias e infecções orais, uma vez que a falta de saliva predispõe ao aparecimento de ambas e à perda de peças dentárias. Podem ser utilizados elixires anti-sépticos de limpeza oral, de preferência sem álcool e ricos em flúor para obter o máximo de benefício. A consulta regular do médico Estomatologista ou Dentista é por isso muito importante.

•  Aparelho músculo-esquelético. Tal como outras doenças reumáticas, o Síndrome de Sjögren pode originar dores e/ou inflamação das articulações e estruturas periarticulares. O tratamento depende da gravidade e localização das queixas, dividindo-se entre anti-inflamatórios não-esteróides (p.e. naproxeno, diclofenac, entre outros) orais/tópicos ,corticosteróides (p.e. prednisolona) orais ou locais (intra ou periarticulares) e ainda imunomoduladores Como a hidroxicloroquina (Plaquinol®), um anti-palúdico de síntese que é o fármaco mais utilizado nas queixas articulares (artralgias e artrite).

•  Fadiga e outras manifestações. A fadiga pode ser um dos sintomas mais incapacitantes associados ao Síndrome de Sjögren e, infelizmente, existem poucas opções terapêuticas eficazes. A hidroxicloroquina é uma delas, com benefício em alguns doentes. Devem ser excluídas outras causas de cansaço, nomeadamente alterações pulmonares, cardíacas ou da tiróide. O tratamento de outras manifestações depende dos órgãos e sistemas afectados. O envolvimento pulmonarrenal ou neurológico (sistema nervoso central ou nervos periféricos), apesar de raro, pode requerer a administração de terapêuticas imunossupressoras (corticosteróides, azatioprina, ciclofosfamida, entre outras) em doses mais elevadas e durante períodos prolongados.

A grande maioria dos doentes com Síndrome de Sjögren apresenta apenas queixas secundárias à diminuição da produção de lágrima e saliva. Algumas consequências podem resultar destas alterações, nomeadamente pequenas lesões da córnea, aftas frequentes, infecções da cavidade oral e cáries com perda de peças dentárias. A fadiga pode ser um sintoma incapacitante em alguns casos, estando recomendado o repouso e sono adequados, para além de alguns dos tratamentos mencionados. De um modo geral, os doentes com Síndrome de Sjögren conseguem levar a sua vida com uma boa funcionalidade, sendo necessárias apenas algumas adaptações e uma atitude positiva em relação à doença.

Uma pequena percentagem de casos podem ter envolvimento de órgãos nobres como o rim, o pulmão ou o sistema neurológico (cérebro, medula, nervos periféricos) que quando não tratados podem levar a complicações graves. Porém, o tratamento é na maior parte dos casos eficaz, ainda que prolongado, podendo por vezes haver sequelas de acordo com o órgão afectado e a resposta ao tratamento.

Algumas pessoas com Síndrome de Sjögren podem ter risco aumentado de vir a desenvolver linfoma, um tipo de cancro das células do sangue (linfócitos). É uma complicação rara, mas para a qual o médico e o doente devem estar alerta, através do acompanhamento continuado e da pesquisa de sinais ou sintomas suspeitos como o aparecimento de gânglios inchados no pescoço, axilas ou virilhas, a febre ou perda de peso inexplicáveis ou o inchaço persistente das glândulas salivares a nível do pescoço. Os tratamentos existentes para o linfoma são em geral bastante eficazes.

Os doentes com Síndrome de Sjögren devem ainda controlar rigorosamente outras doenças como a hipertensão arterial, o colesterol elevado, a diabetes, uma vez que apresentam um risco ligeiramente aumentado de complicações associadas a estas doenças mais frequentes, comparativamente com a população geral.

Uma vez que não se sabe qual a causa do Síndrome de Sjögren, não é possível neste momento prevenir o aparecimento da doença. Contudo, é muito importante prevenir as complicações que podem ocorrer a nível dos vários órgãos e sistemas. Os cuidados com a saúde oral e ocular, mantendo boca e olhos hidratados, evitando alimentos ácidos, o café e o uso de lentes de contacto são essenciais para evitar o aparecimento de lesões oculares, a perda progressiva de peças dentárias ou infecções da cavidade oral. Para além disso, um elevado grau de alerta para outras manifestações da doença é importante para as detectar precocemente e introduzir tratamento apropriado.

Dieta, exercício e outros hábitos

O exercício é recomendável em todos os doentes, sobretudo os que têm queixas articulares ou musculares. Deve-se optar pelo exercício regular, aeróbio, de baixa intensidade, adaptado às capacidades e características de cada um, respeitando o equilíbrio ideal entre exercício e repouso. É recomendável o aconselhamento por um Fisiatra para delinear o programa de exercício e definir o aumento do nível de actividade.

Não existe nenhuma dieta recomendada para os doentes com Síndrome de Sjögren. Devem evitar-se bebidas ácidas, refrigerantes, doces, café e bebidas alcóolicas pois podem agravar as queixas secas e/ou o dano sobre os dentes e gengivas. Beber frequentemente água é muito importante para contrariar a falta de saliva.

Todos os suplementos alimentares devem ser tomados apenas após consulta com o médico assistente. Não está recomendado nenhum em particulare é  importante ter atenção à composição dos mesmos.

O tabaco deve ser evitado pois agrava significativamente as queixas secas, piora a saúde oral e aumenta o risco de outras comorbilidades.

Gravidez e aleitamento

As doentes com Síndrome de Sjögren podem engravidar, sendo a maioria das gravidezes bem-sucedida e sem complicações de maior. Porém, existe um risco aumentado de complicações maternas e fetais associadas à própria doença e a alguma medicação, pelo que as doentes devem discutir os seus planos e intenções de engravidar com o seu reumatologista assistente, para garantir que podem fazê-lo em segurança. A gravidez deve ser vigiada em consulta de Obstetrícia, sempre em colaboração com o Reumatologista, de modo a detectar atempadamente possíveis complicações. A grande maioria das doentes passa bem durante a gravidez, sendo as complicações mais temidas o lúpus neonatal e, sobretudo, o bloqueio cardíaco congénito neonatal, observado em cerca de 2% dos casos em que há presença dos anticorpos anti-SSA (anti-Ro) e anti-SSB (anti-La).

A maioria dos medicamentos podem ser continuados na gravidez e no aleitamento, incluindo a hidroxicloroquina, uma dose baixa de corticosteróides, a azatioprina, a aspirina e o paracetamol. Outros fármacos como o metotrexato, a ciclofosfamida ou os anti-inflamatórios não- esteróides devem ser interrompidos antes e durante a gravidez e aleitamento.

Contracepção, vida sexual e planeamento familiar

A secura vaginal pode interferir gravemente com a vida sexual e em certos casos pode requerer a aplicação de cremes tópicos contendo estrogénios. Adicionalmente, também predispõe ao aparecimento de infecções fúngicas, que devem ser prontamente tratadas com antifúngicos locais.  As doentes podem tomar anticonceptivos hormonais ou de outro tipo, sendo o planeamento familiar fundamental para evitar gravidezes indesejadas, sobretudo durante a toma de medicamentos potencialmente teratogénicos No caso de haver a presença concomitante de anticorpos antifosfolipídicos, os anticonceptivos hormonais estão contraindicados, sendo os métodos barreira os preferenciais. O aconselhamento com os médicos assistentes é essencial para um correcto e atempado planeamento da gravidez.

Vacinação

A doença e os medicamentos imunomoduladores podem aumentar o risco infeccioso, pelo que uma correcta imunização é muito importante. A vacinação anual para o vírus da gripe é fortemente recomenda em todos os doentes com Síndrome de Sjögren, visto que ajuda a prevenir o aparecimento de complicações graves associadas a esta infecção. A vacina anti-pneumocócica está também recomendada, bem como a vacinação para a hepatite B em doentes não vacinados previamente. O Plano Nacional de Vacinação deve ser seguido sem qualquer restrição. Em geral, não existe risco aumentado de complicações secundárias às várias vacinas e na maioria dos casos, a medicação não interfere com a resposta imunitária gerada.

Links Nacionais e Internacionais

Pode consultar mais informação nos seguintes links nacionais e internacionais:

Núcleo Síndrome de Sjögren da Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas

Sjögren’s Syndrome Foundation

Autor: Dr. Vasco Romão

Revisor: Dr.ª Maria João Saavedra