A Doença de Behçet ou Síndrome de Behçet é uma doença inflamatória crónica, rara, que provoca inflamação dos vasos sanguíneos do organismo (vasculite), atingindo as mucosas, a pele, os olhos, e as articulações.
A causa da Doença de Behçet (DB) é desconhecida. Resulta de uma conjugação de factores genéticos predisponentes e factores ambientais, que funcionam como gatilhos (“triggers”) para o desenvolvimento da DB. O antigénio leucocitário humano B51 (HLA-B51) é o factor genético predisponente mais reconhecido, sendo mais frequente em doentes com DB que na população em geral.
A tríade clássica da Doença de Behçet (DB) inclui úlceras orais e genitais recorrentes e inflamação ocular. No entanto os sintomas são diferentes de doente para doente e dependem da região anatómica afectada pela doença:
1. Boca: úlceras orais dolorosas recorrentes (aftas) são o sintoma mais frequente, presentes em virtualmente todos os doentes no decurso da doença. As aftas começam como pequenas lesões arredondadas, com relevo, que rapidamente se transformam em úlceras dolorosas de fundo esbranquiçado. Podem ser únicas ou múltiplas e durar até três semanas.
2. Genitais: pessoas com DB podem desenvolver úlceras genitais, mais frequentemente no escroto ou na vulva. Tal como as orais são dolorosas, mas podem ser mais profundas e deixar cicatriz.
3. Pele: as manifestações cutâneas podem variar. Algumas pessoas podem desenvolver pequenas lesões elevadas com pús, descritas como pústulas, lesões acneiformes ou de pseudofoliculite. Outras poderão desenvolver nódulos inflamatórios, dolorosos, avermelhados, localizados geralmente nas pernas – eritema nodoso. Também frequente nos doentes com DB é a patergia, que se caracteriza por uma reacção cutânea exagerada ao trauma. Poderá ser verificada pela formação duma papula ou pústula 48 horas após uma picada em pele sã com uma agulha estéril (teste de patergia positivo).
4. Olhos: a DB poderá provocar inflamação no olho – uveíte, denominada de anterior, intermédia, posterior ou panuveíte, de acordo com a(s) região(ões) do olho afectada(s). Os sintomas incluem olho vermelho, dor ocular e visão turva, num ou em ambos os olhos. A inflamação dos vasos da retina (vasculite retiniana) é uma complicação grave da doença.
5. Articulações: os doentes com DB poderão ter dores articulares (artralgias) e inflamação das articulações (artrite). As articulações mais frequentemente afectadas são os cotovelos, punhos, joelhos e tornozelos. O dano articular resultante é raro.
6. Sistema digestivo: dor abdominal, diarreia e hemorragia digestiva são os sintomas mais frequentes, resultantes da presença de úlceras no aparelho digestivo, mais frequentemente na transição entre o intestino delgado (íleo distal) e o intestino grosso (cego). A perfuração de úlceras intestinais poderá necessitar cirurgia urgente.
7. Sistema vascular: acredita-se que a maioria das manifestações da DB se deve à inflamação dos vasos sanguíneos. Poderá por vezes envolver os grandes vasos, particularmente as veias das pernas com formação de trombos (tromboflebite). A inflamação das paredes arteriais poderá resultar em dilatações dos vasos (aneurismas). O envolvimento dos vasos pulmonares poderá ser especialmente grave resultando em quadros de tosse, dor torácica, falta de ar (dispneia) e expectoração com sangue (hemoptise).
8. Sistema nervoso central: a inflamação no cérebro e sistema nervoso central poderá dever-se à inflamação das membranas que os revestem (meningite ou meningo-encefalite), da formação de trombos no sistema venoso (seios venosos cerebrais), ou de lesões do parênquima cerebral. Os sintomas são variados, desde dor de cabeça (cefaleia), febre, desorientação, até quadros de movimentos voluntários descoordenados (ataxia), de acidente vascular cerebral e muito raramente epilepsia.
Em Portugal a Doença de Behçet (DB) afecta aproximadamente 2,5 em cada 100000 habitantes. Não existe nenhum teste diagnóstico sendo este baseado no julgamento clínico do seu médico. Este poderá pedir alguns exames complementares para excluir outras doenças, que podem cursar com manifestações semelhantes às da DB, ou então para avaliar o atingimento de órgãos não acessíveis pelo exame físico.
Foram estabelecidos vários critérios clínicos de classificação de DB, que não sendo essenciais podem facilitar o diagnóstico.
O tratamento da Doença de Behçet (DB) é definido de acordo com o órgão afectado e a gravidade da doença. Períodos de remissão espontânea e agravamento são frequentes no decurso da sua doença.
Na presença de manifestações minor, que interfiram significativamente com a qualidade de vida do doente, mas não colocam em risco a função de nenhum órgão vital, os corticóides tópicos e/ou a colchicina devem ser a escolha inicial. Em casos resistentes, os corticóides orais ou outros fármacos imunossupressores (ex. metotrexato, sulfassalazina, azatioprina, talidomida) podem ser necessários. Na presença de eritema nodoso o tratamento inicial com corticóides e anti-inflamatórios não esteróides deverá ser considerado.
No caso de manifestações major, que colocam em risco a função de um órgão vital, é recomendado o tratamento com doses elevadas de corticóides associando um segundo agente imunossupressor (ex. azatioprina, ciclosporina, ciclofosfamida, fármacos biotecnológicos, entre outras opções). A utilização de corticóides localmente (tópicos) é mandatória no caso de uveíte anterior. A intervenção cirúrgica pode ser necessária no envolvimento arterial ou gastro-intestinal grave.
Para mim?
O prognóstico está relacionado com o local e a gravidade da lesão, sendo o curso da doença mais grave nos jovens do sexo masculino do que no sexo feminino.
A maioria dos doentes apresenta lesões muco-cutâneas numa fase inicial da doença, podendo as manifestações oculares e do sistema nervoso central aparecer vários anos após o diagnóstico. A principal causa de morbilidade está associada às manifestações oculares, presente em até dois terços dos doentes. A mortalidade na Doença de Behçet (DB) é baixa e associa-se mais frequentemente ao envolvimento vascular pulmonar e do sistema nervoso central.
Para os outros? (É contagiosa? Transmissão aos filhos?)
Não é uma doença contagiosa.
A doença familiar é incomum e até à data nenhum padrão de transmissão de pais para filhos foi identificado. Desta forma, apenas uma pequena percentagem das crianças diagnosticadas têm história familiar de DB.
Não é possível prevenir o surgimento da Doença de Behçet. A referenciação precoce para o Serviço de Reumatologia do hospital da sua área de residência permitirá um seguimento adequado e tratamento precoce das diferentes manifestações ou complicações da doença.
Autores: Dr. Nikita Khmelinskii, Dr.ª Sílvia Fernandes
Revisor: Dr. Carlos Miranda Rosa