As vasculites são um grupo heterogéneo de doenças caracterizado por inflamação dos vasos sanguíneos. Qualquer tipo de vaso pode ser acometido. Pode ocorrer em veias e artérias de grande calibre, como a artéria aorta, ou em vasos muito pequenos, como os capilares presentes nos pulmões, rins ou pele. A inflamação leva ao enfraquecimento e espessamento da parede dos vasos sanguíneos, podendo progredir para obstrução total ou formação de aneurismas (dilatações anormais que aumentam o risco de ruptura do vaso) (Figura 1).
As vasculites são na generalidade doenças raras que podem afectar pessoas de todas as idades. Algumas vasculites, como a  doença de Kawasaki e púrpura de Henoch-Schönlein, ocorrem sobretudo em crianças, enquanto outras, como a arterite de células gigantes, estão descritas principalmente em idosos.
As vasculites podem ser consideradas primárias, quando ocorrem sem causa aparente, ou secundárias, quando se encontram associadas a outras doenças conhecidas ou exposição a determinadas drogas ou medicamentos.

Em 2012 um grupo internacional de especialistas em vasculites propôs uma nomenclatura, ou sistema de nomes, para as formas mais comuns de vasculites, baseando-se principalmente no tamanho dos vasos envolvidos e nas doenças associadas (Chapel Hill Consensus Conference 2012 – Quadro 1).

Principais vasculites:

Arterite de Takayasu

Também conhecida por doença sem pulso, afecta essencialmente a artéria aorta (principal vaso que sai do coração) e os seus ramos principais. Predomina no sexo feminino (numa razão de 8.5:1) e em doentes com idade inferior a 40 anos. É uma doença muito rara na Europa Ocidental, ocorrendo mais frequentemente nos países asiáticos. As suas manifestações clínicas dependem do tempo de duração da doença e das áreas acometidas. Numa fase mais avançada da doença pode ocorrer ausência ou diminuição dos pulsos arteriais, hipertensão e dor nos membros ao caminhar.

Arterite de Células Gigantes

Também designada por arterite temporal, é uma doença com particular predisposição para envolvimento das artérias da cabeça (principalmente as artérias temporais). Ocorre principalmente em doentes com idade superior a 50 anos, com uma ligeira predominância no sexo feminino (razão 3:1). É das vasculites primárias mais comuns, principalmente no norte da Europa. Manifesta-se habitualmente por um início súbito de dor de cabeça.  Alterações visuais, dor na mandíbula ao mastigar e  dor no couro cabeludo ao tocar/escovar o cabelo são também outras características que podem surgir nesta doença. Muito frequentemente (cerca de 40-50% dos casos) estes doentes podem apresentar o diagnóstico concomitante de Polimialgia Reumática.

Esta doença é considerada uma emergência médica pelo risco elevado de cegueira (>20%) quando o tratamento adequado não é iniciado atempadamente. Sempre que exista suspeita deste diagnóstico os doentes devem dirigir-se a um serviço de saúde que possibilite observação de urgência.

Poliarterite Nodosa

Doença muito rara em todo mundo, mais comum nos homens entre 40 e 60 anos, com uma proporção de cerca de 2:1 em relação às mulheres. Envolve habitualmente as artérias de médio calibre que irrigam os rins e o intestino, provocando dor abdominal, sangue nas fezes, hipertensão arterial, presença de proteínas e sangue na urina, etc. Dor nas articulações e músculos, alterações cutâneas como livedo reticularis (descoloração vermelho-azulada da pele com padrão característico em rede) e envolvimento dos nervos periféricos são também características relativamente frequentes desta doença. Em alguns casos pode estar associada ao vírus da hepatite B.

Doença de Kawasaki

Vasculite rara, mais frequente na população Japonesa. Mais de 80% ocorre em crianças com idade inferior a 5 anos. Caracteriza-se por febre alta durante mais de 5 dias; extrema irritabilidade; vermelhidão dos olhos, boca e língua; lesões encarnadas na pele (muito semelhantes ao sarampo ou escarlatina); aumento dos gânglios do pescoço e inchaço das mãos e pés. Pode comprometer os vasos do coração com formação de aneurismas.

Poliangeíte microscópica

Vasculite rara, ligeiramente mais frequente no sexo masculino (razão 1.5:1), apenas reconhecida como uma entidade distinta em meados dos anos 90 (era antigamente agrupada à poliarterite nodosa). Praticamente todos os doentes apresentam envolvimento dos rins que numa fase inicial pode apenas manifestar-se pela presença de sangue e proteínas detectadas em exames rápidos da urina. Alguns casos cursam com envolvimento dos pulmões, sendo possível ocorrerem episódios de hemorragias graves. Em 2/3 dos casos os nervos periféricos estão comprometidos (com sensação de formigueiro e/ou falta de força nas extremidades dos membros). Metade dos doentes podem apresentar lesões cutâneas ou ainda envolvimento intestinal, com dor abdominal frequente.

Granulomatose com poliangeíte (Granulomatose de Wegener)

Vasculite relativamente rara, sem predominância de género, frequentemente iniciada com sintomas característicos de envolvimento do sistema respiratório superior: sinusite, hemorragias do nariz e presença constante de pus e crostas nasais, podendo progredir para perfuração do septo nasal. Quadros frequentes de otites médias e perda de audição (contínua ou súbita) podem também ocorrer. Alguns doentes podem evoluir para formas mais sistémicas (generalizadas) da doença, habitualmente envolvendo os rins e pulmões (com a presença de nódulos característicos, muitas vezes confundidos com tumor do pulmão).

Granulomatose eosinofílica com poliangeíte (Síndrome de Churg-Strauss)

É uma das vasculites mais raras. Não tem predominância de género e caracteriza-se por asma de início tardio, aumento anormal de eosinófilos no sangue (são um tipo de glóbulos brancos relacionados com as alergias e a defesa do organismo contra determinados parasitas) e manifestações vasculíticas, como lesões na pele – habitualmente púrpura (manchas/pintas arroxeadas e indolores) ou nódulos cutâneos – e envolvimento dos nervos periféricos, com diminuição da sensibilidade e da força das mãos ou pés. O envolvimento do coração não é raro; é uma das marcas da doença, e quando grave, pode mesmo ser causa de morte.

Doença anti-GBM (Síndrome de Goodpasture)

Vasculite muito rara que ocorre habitualmente entre os 20 e 30 anos de idade (principalmente no sexo masculino, razão 6:1) e os 50 e 60 anos (sem predominância de género). Caracteriza-se pela produção de anticorpos anti-GBM (anti-Glomerular Basement Membrane) – proteínas que atacam uma membrana importante do rim, originando em muitos casos rápida destruição deste órgão. Os pulmões também podem estar envolvidos surgindo hemorragia pulmonar que pode ser fatal.

Vasculite crioglobulinémica

Vasculite rara caracterizada pela presença de crioglobulinas no sangue (ou crioglobulinémia): proteínas anormais que se agrupam e depositam nos vasos sanguíneos, sobretudo quando ocorrem temperaturas baixas. As crioglobulinémias podem ser classificadas pelo tipo de crioglobulinas encontradas: tipo 1 ou crioglobulinémia simples (fortemente associada a linfomas) e tipo 2 e 3, ambos denominados por crioglobulinémia mista (frequentemente associada à infeção pelo vírus da Hepatite C e outras doenças inflamatórias como o Lúpus Eritematoso Sistémico ou a Síndrome de Sjögren). Quando não é encontrada qualquer associação com outra doença a crioglobulinémia é habitualmente designada de essencial. As crioglobulinémias mistas são as mais comuns (>80%), principalmente em mulheres (relação 3:1). A vasculite que originam é habitualmente caracterizada por púrpura (manchas/pintas arroxeadas e indolores na pele, que podem culminar em úlceras ou feridas), dores nas articulações e fraqueza muscular. Pode também ocorrer envolvimento dos nervos periféricos (com sensação de formigueiro e/ou falta de força nas mãos ou pés), intestino (com dor abdominal) e rim (originando insuficiência renal).

Vasculite IgA (Púrpura Henoch-Schönlein)

Afecta principalmente crianças entre os 2 e 10 anos (sendo a vasculite mais comum desta faixa etária), embora possa também ocorrer em adultos. Existe uma ligeira predominância do sexo masculino (razão 1.5:1) e em 50% das crianças esta vasculite ocorre após uma infecção respiratória. Caracteriza-se habitualmente por púrpura (manchas arroxeadas da pele) simétrica e primariamente localizada nas nádegas e pernas; inchaço e dor nas articulações, principalmente dos joelhos e tornozelos; envolvimento do intestino com dor abdominal e possíveis episódios de hemorragia; e envolvimento do rim com perda de sangue e proteínas pela urina. As manifestações da doença tendem a ser mais graves nos adultos.

Vasculite urticariforme hipocomplementémica (vasculite anti-C1q)

Vasculite muito rara, pouco descrita na literatura, caracterizada por urticária persistente da pele (lesões avermelhadas e elevadas acompanhadas de comichão) com níveis baixos de complemento (sistema de proteínas funcionalmente ligadas que participam na defesa do organismo), particularmente C1q, C2, C3, e C4. Um dos seus marcos é a presença de anticorpos anti-C1q no sangue. Pode também ocorrer envolvimento das articulações, gânglios linfáticos, rins, intestinos, pulmões e olhos. Em alguns casos encontra-se associada a outras doenças sistémicas como o Lúpus Eritematoso Sistémico ou a Síndrome de Sjögren.

Vasculite urticariforme hipocomplementémica (vasculite anti-C1q)

Vasculite muito rara, pouco descrita na literatura, caracterizada por urticária persistente da pele (lesões avermelhadas e elevadas acompanhadas de comichão) com níveis baixos de complemento (sistema de proteínas funcionalmente ligadas que participam na defesa do organismo), particularmente C1q, C2, C3, e C4. Um dos seus marcos é a presença de anticorpos anti-C1q no sangue. Pode também ocorrer envolvimento das articulações, gânglios linfáticos, rins, intestinos, pulmões e olhos. Em alguns casos encontra-se associada a outras doenças sistémicas como o Lúpus Eritematoso Sistémico ou a Síndrome de Sjögren.

Doença de Behçet

Por favor ver Doença de Behçet.

Síndrome de Cogan

Vasculite muito rara, estando descritos pouco mais de 200 casos na literatura internacional. Não tem predominância de género e caracteriza-se por perda progressiva da audição, alterações do equilíbrio ou vertigens e inflamação do olho (particularmente da córnea). Outras manifestações como o envolvimento das articulações, da pele, do coração e dos intestinos, podem também ocorrer.

Angeíte leucocitoclástica cutânea

Também conhecida por vasculite de hipersensibilidade. É uma vasculite de pequenos vasos que se apresenta geralmente por uma púrpura palpável (manchas/pintas salientes na pele de cor arroxeada) principalmente localizada nos membros inferiores. Associa-se habitualmente à toma de determinados medicamentos, infecções, doenças do tecido conjuntivo (como a Artrite Reumatóide) ou neoplasias; no entanto, em cerca de metade dos casos a causa é desconhecida.

Vasculite primária do sistema nervoso central

Vasculite rara, de causa desconhecida, mais frequente por volta dos 50 anos de idade e em doentes do sexo masculino (razão 2:1). Envolve os vasos do cérebro e da medula espinhal. Os sintomas mais comuns são: dor de cabeça, tonturas, confusão e alterações da personalidade. Acidentes vasculares cerebrais (AVCs) podem ocorrer em cerca de 40% dos casos.

As vasculites ocorrem quando há um “mau funcionamento do sistema imunitário” que começa a atacar os vasos sanguíneos “por engano”. Apesar da causa ser desconhecida, sabe-se que factores genéticos podem aumentar a susceptibilidade à ocorrência destas doenças.

Algumas infecções (ex. hepatite B, hepatite C e VIH), medicamentos (ex. antibióticos ou fármacos utilizados no tratamento da hipertensão, doenças da tiróide ou gota), uso de drogas (ex. cocaína ou anfetaminas), outras doenças inflamatórias (ex. lúpus eritematoso sistémico, artrite reumatóide, sarcoidose, doenças inflamatórias do intestino, etc.) ou neoplasias, podem desencadear vasculite em indivíduos geneticamente susceptíveis.

O quadro clínico (queixas do doente) depende dos órgãos acometidos, do tamanho dos vasos envolvidos, da gravidade da doença e do tipo de vasculite. Pode desenvolver-se muito lentamente ou ter um início súbito ao longo de dias ou semanas.

Alguns sintomas inespecíficos são comuns a quase todas as vasculites:

– Cansaço ou fadiga
– Mal estar
– Perda do apetite
– Emagrecimento
– Febre
– Dores generalizadas

Outros sintomas são mais específicos de determinados tipos de vasculites (por favor ver a secção Tipos de vasculites).

Não existem critérios absolutos e estabelecidos, para o diagnóstico das vasculites. Está neste momento em curso um grande estudo multicêntrico (DCVAS – Diagnostic and Classification Criteria in Vasculitis Study) dedicado à criação destes critérios, com o intuito de melhorar a capacidade diagnóstica para estas doenças.

O diagnóstico de vasculite é actualmente feito com base na associação entre a história clínica do doente, sintomas apresentados, alterações no exame físico e resultados de análises laboratoriais e outros exames complementares realizados.

EXAMES LABORATORIAIS

Alguns exames laboratoriais devem ser requisitados no momento do diagnóstico e periodicamente a todos os doentes com vasculite, entre vários destaca-se: hemograma (avalia a presença de anemia ou outras alterações resultantes da doença ou medicações instituídas); PCR e VS (muito importantes para avaliar indirectamente o grau de actividade da doença); AST e ALT (verificam alterações no fígado, particularmente causadas por fármacos); e creatinina, ureia e Urina II (permitem diagnosticar e monitorizar alterações no funcionamento do rim).

Outras análises laboratoriais mais específicas devem ser requisitadas quando há suspeita de algum tipo particular de vasculite, por exemplo anticorpos anti-citoplasma de neutrófilos (ANCA) quando há suspeita de vasculite associada aos ANCA e outros (ver secção Tipos de vasculites)

OUTROS EXAMES

Biópsia – Um dos exames mais importantes para o diagnóstico definitivo de vasculite. É retirada uma parte muito pequena do tecido afetado (ex. artéria temporal, pele, rim, nervo, etc.) para observação microscópica, e caracterização das alterações verificadas.

Outros exames, particularmente exames de imagem como radiografia torácica (essencial para averiguar se há ou não envolvimento dos pulmões ou ainda e por exemplo, diagnosticar e rastrear a presença de aneurismas da aorta), ecocardiograma (utilizado para avaliar o envolvimento cardíaco) e outros (ex. ecodoppler das artérias temporais, tomografia computadorizada, etc.) podem também ser relevantes consoante o tipo de vasculite.

O tratamento varia conforme os órgãos atingidos, a gravidade da doença, e a fase da doença. Os objetivos são suprimir a inflamação na fase aguda e evitar novas agudizações/gerir as possíveis complicações na fase de manutenção do tratamento.

Principais medicamentos utilizados:

Glucocorticoides (ex. prednisolona): popularmente conhecidos como “cortisona”, assumem grande importância particularmente na fase aguda da doença. A dose e a duração da sua utilização é muito dependente da gravidade dos sintomas, e relaciona-se em parte com os efeitos secundários mais conhecidos (ex. aumento do peso ou osteoporose).

Imunossupressores: são usados em casos de doença mais grave (em que os glucocorticoides são insuficientes) ou na tentativa de diminuir a dose e duração dos glucocorticoides de forma a evitar os seus efeitos secundários. O fármaco mais usado nas vasculites com atingimento de órgãos “importantes” é a ciclofosfamida. Nas vasculites em fases de menor gravidade, ou então nas fases de manutenção do tratamento, são usados fármacos “menos potentes”, com menor risco de efeitos secundários, como a azatioprina ou o metotrexato. Outros fármacos/tratamentos, pelo seu perfil de risco/benefício, são reservados para casos especialmente graves ou refratários, ou tipos específicos de vasculites (ex. rituximab, imunoglobulina e plasmaferese).

A vasculite pode ser auto-limitada ou crónica. O prognóstico é muito variável e depende essencialmente dos órgãos atingidos, da duração da doença e da precocidade com que o tratamento é iniciado. As complicações podem ser consequência direta da doença ou dos tratamentos usados.

A vasculite não é contagiosa, ou seja, não é transmissível pelo contacto com doentes. Apesar dos genes serem importantes no aparecimento da(s) doença(s) e destas poderem surgir em elementos da mesma família, não são doenças herdadas directamente, como tal, não necessitam de qualquer tipo de rastreio pré-natal.

Até à data não existem medidas que previnam o aparecimento de vasculite(s)

No entanto, a prevenção de agudizações nas vasculites estabelecidas depende muito do tipo de vasculite, e na maioria dos casos a ocorrência destes episódios é imprevisível. Assim, é importante que os doentes mantenham seguimento médico periódico, com avaliação clínica e laboratorial, e que comuniquem com o seu médico sobre qualquer dúvida, quanto ao tratamento ou quanto à doença. Finalmente, é importante que os doentes estejam atentos a quaisquer sinais ou sintomas, principalmente aqueles que se assemelhem aos do início da doença.

Para informações adicionais consulte online (em inglês):

1. Arthritis research UK – Vasculitis
http://www.arthritisresearchuk.org/arthritis-information/conditions/vasculitis.aspx

2. Vasculitis Foundation
http://www.vasculitisfoundation.org/

3. Vasculitis UK
http://www.vasculitis.org.uk/

4. NIH National Heart, Lung and Blood Institute – Vasculitis
http://www.nhlbi.nih.gov/health/health-topics/topics/vas

5. DCVAS – Diagnostic and Classification Criteria in Vasculitis Study
https://research.ndorms.ox.ac.uk/public/dcvas/

Autores: Dr.ª Cristina Ponte, Dr.ª Romana Vieira

Revisor: Dr.ª Carla Macieira